Um novo Mundo se desvela...

  

Quando silenciou o último explosivo em algum dia insignificante da década de 80, restou uma paisagem desprovida de qualquer encanto, apática e inóspita, cujo nome de batismo é Rincão Gaia. Naqueles tempos nem tão remotos, encerrava-se a exploração do basalto que pavimentara a estrada BR 290, mas que também deixara dois imensos vazios anti-estéticos, duas crateras lunares rodeadas por uma área não menos desolada.

 

Duas crateras de um lado, toneladas de lixo produzidas diariamente de outro. A conclusão não poderia ser mais óbvia: encher os buracos com bastante lixo, tapá-los e revestí-los com um manto orgânico que recuperasse a outrora paisagem serena de coxilhas e campos pampeanos que caracteriza a região. Acoberta-se temporariamente o lixo que não cessa em crescer e recupera-se a paisagem original. Perfeito!

 

Será? Sob uma ótica simplista e imediatista, certamente que sim. Mas se lembrarmos que, Gaia, nosso planeta vivo, só conseguiu desdobrar-se nessa diversidade e complexidade estonteante que hoje conhecemos, por colocar religiosamente em prática o princípio que roga que o resíduo de um é matéria-prima de outro... Se assim não fosse,  quantas camadas de lixo teríamos acumulado nesses 3,8 bilhões de anos que se passaram desde seus primeiros passos? Restaria ainda algum cm² para o desdobramento da Vida, para o surgimento da nossa espécie, para a experiência individual de cada um de nós?

 

O século XXI nasce sob o prenúncio de profundas mudanças em nossa civilização globalizada. Mudanças de ordem prática, mas acima de tudo mudanças advindas de uma revisão espiritual e ética.  Ao conquistarmos os rincões mais remotos e outrora tidos como tão distantes, percebemos também as limitações e fragilidades de Gaia. E escancara-se a necessidade de compreendermos e atuarmos em consonância com os processos auto-reguladores dessa intrincada teia de conexões que nos permite experimentar gratuitamente o sabor da Vida.

 

Mas se recuperar a paisagem original acomodando lixo nas seqüelas deixadas pela exploração de basalto não é uma solução condizente com os novos tempos, o que o seria?

Que destino dar ao lixo que produzimos? Aliás, como eliminá-lo? Como recuperar uma área devastada? Ou será que ela não foi devastada? Poderia ser que ela justamente criou o cenário necessário para o descortinamento de um novo mundo?

O Rincão Gaia lhe convida para a elaboração dessas e de outras mais questões.

 

 

Lara Lutzenberger

Presidente

www.fgaia.org.br

 

março de 2004

artigo para Revista Conexão Social

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