No Dia da Terra, a Fundação Gaia partilha com seus amigos e colaboradores, dois artigos de Lutzenberger escritos especialmente para esta data: “Proteção Ambiental” e “A Febre de Gaia”. Confiram a atualidade e a pertinência dos textos escritos em 1975 e em 1999.

 

PROTEÇÃO AMBIENTAL

                                                                                               José A. Lutzenberger, 1975

O ambiente é um só e nós humanos somos parte dele, como a cabeça é parte do corpo, não tendo sentido sem ele. Este ambiente a que nos referimos é a ECOSFERA, a grande unidade funcional do Caudal da Vida neste astro.

 

Vida e fundo não vivo encontram-se dinamicamente integrados. Biosfera, Atmosfera, Litosfera e Hidrosfera formam um conjunto que só alcança sua dimensão máxima quando visto como um todo. A concentração exclusiva sobre este ou aquele componente leva a visões deturpadas e incompletas que geralmente conduzem a comportamentos com consequências funestas.

 

Numa analogia mecanicista, poderíamos dizer que de nada adianta uma análise especializada, peça por peça, no caso de um automóvel ou qualquer outra máquina. Carburador, distribuidor, válvulas, cilindros, pneus, volante, etc, só têm sentido como partes de um todo e é somente através de seu funcionamento coordenado que atingem seus objetivos.

 

A causa final da atual crise ambiental está na filosofia do homem ocidental, uma filosofia de dicotomia Homem-Natureza. Esta dicotomia nos leva à abordagem setorizada das coisas, cuja conseqüência lógica é a cegueira diante do que se encontra fora dos limites do setor respectivo. Daí resultam atitudes imediatistas. Os custos ambientais, diretos ou indiretos, passam despercebidos ou não merecem a devida importância, não entram nas cogitações de eficiência tecnológica ou viabilidade econômica.

 

O pensamento econômico atual, seja ele no mundo capitalista como no dito comunista, parte de um modelo de fluxo aberto entre dois extremos: um o repositório inesgotável de recursos e outro o depósito de capacidade infinita para absorção de detritos. Não há, em absoluto, reconhecimento do fato de que estes dois extremos se encontram num mesmo ente físico, a Natureza, que tem suas próprias leis extremamente complexas e frágeis. As ciências econômicas teimam em negar que são apenas um ramo da Ecologia, ainda não aprenderam que devemos pensar em termos de ciclos fechados e de integração numa escala global.

 

A maneira convencional de se abordar os problemas ambientais ainda consiste em procurar soluções específicas para problemas específicos: filtros, estações de tratamento, aparelhagem antipoluição, legislação específica, etc. Mas este enfoque nunca chega à raiz do problema, apenas procrastina seus efeitos. O desequilíbrio em termos globais continua se agravando.

 

Somente através de uma visão global e sistêmica chegaremos a uma ética ecológica e aceitaremos os seus preceitos de sobrevivência:

 

PORTEÇÃO AMBIENTAL É UM COMPORTAMENTO CONDIZENTE COM A SAÚDE DA ECOSFERA

 

A ciência que nos fornece o necessário código de comportamento é a ecologia.

 

A lição de uma visão ecológica é de que toda a abordagem setorizada da problemática ambiental estará de antemão condenada ao fracasso a longo prazo. Somente uma visão global sistêmica, ecológica, promete resultados. Mas ela propõe decisões realmente difíceis porque diametralmente opostas ao pensamento vigente.

 

 

A FEBRE DE GAIA

                                                                         José Lutzenberger, julho de 2000

A faixa de temperaturas nas quais a Vida pode existir e florescer, isto é, a faixa de temperaturas que torna possível a bioquímica, a química das proteínas, carboidratos, hidrocarbonetos, ácidos nucleicos, a construção de células vivas e organismos, a qual é também a faixa na qual a água pode coexistir em suas três fases físicas – líquida, gasosa e sólida – é extremamente estreita, se comparada com as temperaturas que prevalecem no Universo como um todo.

 

Estas variam desde perto do zero absoluto, 273ºC negativos, no espaço interplanetário ou em planetas distantes como Netuno e Plutão, até entre 400 e 500ºC positivos em Vênus; aproximam-se dos 20 a 40°C negativos no verão, ao meio-dia, na linha do Equador de Marte; vão a aproximadamente 6000°C na superfície de nosso Sol, perto de 20 milhões de °C em seu interior; mais, muito mais ainda, na superfície de estrelas maiores e chegando a bilhões de °C nas fornalhas de estrelas em implosão – as supernovas.

 

Tivéssemos de representar este alcance de temperaturas sobre uma linha na qual cada grau fosse um milímetro, esta teria um comprimento de várias centenas de milhares de quilômetros. Ela iria a uma distância muito além da Lua.

 

A faixa propícia para a Vida vai de alguns graus abaixo de zero, onde a Vida só sobrevive em repouso, até aproximadamente 80 graus positivos para alguns poucos organismos - certas bactérias e algas que conseguem viver em vertentes quentes nos precipícios marinhos e nos géiseres, o que totaliza uma faixa de aproximadamente 100°C. Se aplicada na referida linha, ela cobriria uns dez centímetros. Dez centímetros sobre várias centenas de milhares de quilômetros!

 

Desde esta perspectiva, percebemos o quanto é precioso nosso mundo. Ele se torna mais precioso ainda quando aprendemos que a Vida foi capaz, ao longo de mais de 3,5 bilhões de anos, de contrabalançar forças que tendiam a tornar a Terra muito mais quente ou muito mais fria. Sabemos, por considerações cosmológicas, que o Sol é atualmente de 20 a 30% mais quente do que era quando a Vida começou a se estruturar nos oceanos primordiais. Nosso planeta poderia ter acabado numa situação de descontrolado efeito estufa, como em Vênus: um pouco menos quente, mas, ainda assim, com ao redor de 200°C positivos. Os oceanos teriam se evaporado.

 

Ou se, por alguma razão, na época das primeiras manifestações de Vida, com o Sol ainda mais frio, houvesse nebulosidade demais, o desequilíbrio poderia ter ido em sentido contrário. O albedo elevado - isto é, a refletividade aumentada para a luz – teriam refletido grande parte da energia solar incidente de volta para o espaço sideral. Menos calor, mais neve, mais albedo ainda, menos calor ainda. A Terra poderia ter se tornado uma bola coberta de neve. Em qualquer dos casos, Gaia nem teria se tornado realidade ou teria perecido logo.

 

No entanto, conscientemente, estamos bagunçando todos os mecanismos de controle climático - com dióxido de carbono demais, metano, óxidos de nitrogênio, óxidos de enxofre, freons, hidrocarbonetos, desmatamento e desertificação. Por quanto tempo mais poderemos abusar do sistema? Quanto tempo demorará Gaia para ficar com febre? Será mesmo necessário que conheçamos todos os detalhes para começarmos a agir?

 

Quando as coisas começarem a dar errado, elas não precisam descontrolar-se completamente. Não precisamos chegar a outra era glacial ou derretimento das capas de gelo na Groenlândia e Antártida, com inundação das maiores cidades e territórios de elevada densidade populacional. A exacerbação das irregularidades climáticas que já se verificam, breve nos colocará numa situação na qual não mais poderemos contar com colheitas seguras. Atualmente, somos ao redor de 6 bilhões de humanos. As reservas de alimentos estão diminuindo. De que nos serviria um clima de praia em Spitzbergen, se não tivermos mais o suficiente para comer? E o que dizer das convulsões sociais, revoluções e guerras que resultariam daí, com figuras como Saddam Hussein e outros tendo acesso a armas de destruição em massa?

 

O que para Gaia, ao longo de seus 10 bilhões de anos de expectativa de vida e com pelo menos mais 5 bilhões pela frente, poderia ser apenas uma leve e passageira febre, talvez representasse o fim da Civilização Humana.

Uma pessoa sábia talvez arrisque aprender com seus erros, mas ela certamente evitará experimentos nos quais, se derem errado, as consequências serão inaceitáveis e irreversíveis. Como podemos fazer os poderosos compreenderem que a Moderna Sociedade Industrial está embarcada precisamente neste tipo de experimento?

 

Tradução por Lilly Lutzenberger, do original GAIA’S FEVER, publicado na revista ambientalista britânica “The Ecologist”, volume 29, nr. 2, março/abril 1999.

 

Fotos: Cláudia Dreier e arquivo Fundação Gaia. Edição de fotos e textos: Cláudia Dreier comunicacao@fgaia.org.br

 
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