MARILIA PORTUGAL
QUINTA-FEIRA, 23 DE MAIO DE 2002
José Lutzenberger

 

A morte sempre foi uma coisa muito "antinatural" pra mim. Perdi meu pai, sofri e culpei o mundo, os médicos, o hospital, a ignorância humana... Quando minha mãe perdeu a vida, adoeci, fiquei mal e inconformada.

A velha conversade que "a morte é a única coisa certa na vida" me irritava:

Morte era inconcebível!

Ainda inconformada com minhas perdas , fui visitar o Lutz. Sentei em frente a ele no seu escritório, aqui em Porto Alegre, entre mil pilhas de papéis, envelopes livros obras de arte, pedras e bugigangas de toda ordem, espalhados na mais absoluta, aparente, desordem. Fui me "alimentar" de sua genialidade pra matar um pouco da minha profunda tristeza.

Falamos sobre ambiente, sobre Gaia e sobre a reabilitação do seu maravilhoso Rincão. Nossa conversa foi rápida, ele era sempre muito conversador, gestual, inquieto, genial!!!! Mas muito objetivo. "Filosofava em alemão": com poucas palavras esboçava uma tese inteira!

Neste dia ele falou sobre a teoria de Gaia que eu já conhecia mas, na verdade, nunca a tinha percebido da maneira como ele o fez. Falou de Gaia com veneração, disse, sem receio, que a Terra era "Divina", comprovou o que disse e me convenceu! Fez uma poesia explicando o desequilíbrio químico vital de Gaia e com uma palheta mental, pintou o quadro da Terra no caso do desaparecimento da vida: o quadro da dor sem moldura!

Com isto me fez perceber que só a VIDA pode manter a Terra em condições de abrigar VIDA e que a morte é um conceito puramente intelectual!

Na natureza a morte não existe, existe o ciclo da energia que se retro-alimenta indefinidamente Vivo.

Esta conversa, amadurecida em mim, me faz entender a morte como um novo ciclo de vida. Este entendimento não diminuiu a dor da ausência! Mas me conforta entender a morte como, apenas, uma etapa de um ciclo interminável, um novo "desequilíbrio" químico, fundamental para permanência e continuidade da vida sobre o Planeta!

Hoje meu encontro com o mestre me apertou o coração pelo silêncio...mas não esqueci do ciclo Vital...

O Lutz foi sepultado num bosque de Eucalíptos no alto de uma colina do Rincão Gaia. Foi enterrado somente coberto por uma mortalha. O corpo foi levado numa maca, até o bosque, carregada por amigos e autoridades. Foi colocado na sua derradeira morada, atendendo  a sua vontade.

No momento em que eram colocadas as últimas pás de terra sobre seu corpo, o céu ficou muito escuro, o vento começou a soprar muito, mas muito forte, gotas grossas começaram a cair, relâmpagos assustadores surgiram no horizonte com estrondosas trovoadas e a força Criadora da natureza reverenciou aquele momento solene tombando dois enormes e velhos eucalíptos, deitando seus grossos troncos ao lado do corpo do Lutz, Certamente para que eles se transformem em fonte para novas vidas, juntos!

Na volta, viemos todos a pé pelo campo, lavados e machucados pela forte chuva de granizo, andando  sem nenhum tipo de proteção !  Sentindo a natureza muito fortemente presente!

O Lutz diria: FOI GLORIOSO!

E FOI MESMO, meu mestre, GLORIOSO!

Voltar ao índice