PROBLEMAS DA
BIODIVERSIDADE

José A. Lutzenberger
Porto Alegre, 18 de maio de 1995

Anos atrás, em discussão com altos funcionários do Governo, estes me mostraram grande mapa da Amazônia com muitas manchas verdes. "Que querem vocês ambientalistas? Vejam, estamos preparando todas estas reservas ecológicas, reservas indígenas, bancos genéticos. A biodiversidade está preservada", diziam. Respondi: "Não podemos aceitar. Se aceitarmos estes pontos verdes no mapa como solução, estaremos aceitando que tudo o que está branco, e é mais que 90%, poderá ser destruído, pilhado, devastado. O desequilíbrio climático resultante acabará também com os pontos verdes. Que civilização é esta que precisa proteger algumas manchas verdes no mapa diante de sua própria fúria destrutiva? Ou chegaremos a formas de civilização que signifiquem convívio harmonioso e sustentável com o grande processo vital, ou não teremos futuro.Claro que precisamos de reservas biológicas na fase atual, mas não são suficientes.

A própria maneira como foi discutida a biodiversidade na RIO-92 partia de uma visão reducionista, linear, que não levava em conta a destrutividade inerente de nossa civilização global, a moderna Sociedade Industrial, especialmente em sua forma atual de Sociedade de Consumo que, em seu antropocentrismo, na Natureza, tanto viva, como não viva, só vê recursos a serem explorados e consumidos da maneira mais rápida possível.

Se não chegarmos a uma nova visão do mundo, uma visão holística da Terra como um sistema vivo integrado, no qual nós humanos somos apenas parte, não donos exclusivos, de nada adiantarão remendos técnicos ou tratados, por bons e necessários que sejam. Precisamos redefinir "progresso", "desenvolvimento". As atuais formas de desenvolvimento, tanto no Primeiro como no Terceiro Mundo são suicidas.

Patentes:

O que me preocupa na questão das patentes é o que a indústria dos agrotóxicos está preparando na agricultura. Nas últimas duas décadas estas corporações transnacionais compraram a quase totalidade das empresas de sementes. A intenção é colocar no mercado sementes patenteadas, resistentes, não mais à pragas e enfermidades, mas resistentes aos agrotóxicos. Por exemplo: uma semente de soja ou de milho que já vem recoberta de adubos químicos, de fungicidas, de inseticidas e de um herbicida total, para o qual esta semente é resistente. Por ser patenteada, o agricultor está proibido de reproduzí-la. O agricultor moderno, que já é um apêndice da grande indústria perderá ainda mais um pedaço de sua autonomia. Além do desastre ecológico, este tipo de tecnologia acelerará ainda mais a marginalização que já temos no campo. Não é por nada que em 1993, outubro, assisti a uma demonstração de meio milhão de agricultores em Bangalore, na Índia. Eles protestavam contra a globalização da economia, contra a biotecnologia e a favor de uma agricultura biológica.

A biotecnologia nas mãos das corporações transnacionais da agroquímica contribuirá a uma perda ainda maior na diversidade biológica das variedades cultivadas (cultivares) do que a que já aconteceu com o resultado da "Revolução Verde" durante os últimos 40 anos.

Na farmácia, a biologia molecular também está sendo prostituída. As grandes empresas farmacêuticas têm técnicos viajando nas últimas selvas do Planeta, Amazônia,por exemplo, para obter dos aborígenes informação sobre planta com valor medicinal. Levam amostras, isolam o ingrediente ativo, sintetizam em seus laboratórios e patenteiam. Mais tarde, quando faturam milhões com seus produtos, a sabedoria do índio não é em nada compensada. Sua cultura talvez já esteja extinta. Eles nem revelam de onde conseguiram a informação. Por isso os agricultores na Índia protestaram também contra o que eles chamam de "pirataria intelectual", ou seja, o roubo de conhecimentos ancestrais para lucro de umas poucas empresas.

Em reunião de gabinete durante o Governo Collor, um dos secretários chegou a argumentar: "Uma vez descoberto o valor medicinal de uma planta, isolado o ingrediente ativo, sintetizado e patenteado, não vejo problema em que a espécie desapareça..."

É fundamental que consigamos evitar a aprovação em nosso Parlamento Federal de leis que permitam o patenteamento de seres vivos, de partes de seres vivos e de processos vivos. A pressão sobre os deputados é enorme, a consciência da problemática é reduzida e são poucos os defensores.

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