MANIFESTO DE CURITIBA
DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS
DO MOVIMENTO DE LUTA AMBIENTAL

José Antônio Lutzenberger

Os modelos desenvolvimentistas da Atual Sociedade de Consumo e, muito especialmente, o modelo brasileiro, são modelos absurdos, por que insustentáveis, isto é, suicidas.

Estes modelos repousam no esbanjamento orgiástico de recursos limitados e insubstituíveis. Eles significam a destruição sistemática de todos os sistemas de sustentação da Vida na Terra.

Estamos hoje obliterando ou degradando os últimos ecossitemas intactos e exterminamos assim anualmente dezenas de milhares de espécies que nunca voltarão; aceleramos a perda generalizada da produtividade presente e futura do solo pela erosão incontida e pelo envenenamento generalizado dos métodos brutais da agro-química; desequilibramos todos os grandes e pequenos sistemas hídricos, acentuando as estiagens desoladoras e as cheias catastróficas, pela poluição desenfreada perderemos em breve a potabilidade dos últimos mananciais e preparamos a eliminação de todas as formas de vida aquática, inclusive nos oceanos. O que ainda consegue, até aqui, sobreviver na terra e nos mares a estas formas indiretas de agressão, sucumbirá em breve às agressões diretas das formas predominantes do estrativismo predatório.

Os desequilíbrios são tais que desequilibrou-se a própria espécie humana. Sua explosão demográfica leva à aceleração da rapina e os métodos cada mais indiscriminados desta rapina aceleram a explosão, como na corrida da bola de neve que termina inevitavelmente no estrondo da avalanche.

 

A vida em nossas cidades e megalópoles, inclusive para os beneficiados destas loucuras, torna-se cada vez mais insalubre, menos agradável e mais irritante, mais desumana, mais brutal e alienante, mais insustentável.

 

Malgrado o imediatismo deste esquema de exploração sem limites, predador das gerações futuras, ele não favorece sequer as massas da geração que hoje vive por que, além da rapina da Natureza, ele significa dominação do fraco pelo forte.

 

A sociedade de consumo favorece uma minoria em detrimento das maiorias. Isto é assim no contexto internacional, onde os países desenvolvidos vivem dos recursos dos subdesenvolvidos e é assim dentro dos países de cada grupo. As classes dominantes, tanto nos países desenvolvidos como, mais ainda, nos subdesenvolvidos, concentram para si os privilégios e vantagens, entregando aos desposseidos os inconvenientes dos custos ambientais e sociais.

Nem a saúde pública consegue beneficiar-se da ilusória abundância. Enquanto que as classes favorecidas sucumbem cada vez mais as enfermidades degenerativas – câncer, arteriosclerose, degenerescência cardíaca, defeitos congênitos, derrame, insuficiência hepática  ou renal e desequilíbrio imunológico, neuroses, frustração e submissão à droga – as massas dos desavantajados sofrem de parasitose, subnutrição, doenças infecciosas, mortandade infantil, juventude abandonada, desgaste e morte precoce. Em todas as classes aumenta vertiginosamente a criminalidade.

As causas desta constelação de calamidades são as estruturas predominantes de poder. Tanto nos países que se dizem capitalistas, como naqueles que se alardeiam socialistas ou comunistas, o poder se concentra e procura concentrar-se cada vez mais. Por isso, ele se serve sempre, em toda parte e em todos os níveis, daqueles instrumentos, daquelas tecnologias, daqueles métodos e processos, daquelas estruturas que geram dependência, que concentram capital, isto é, poder de decisão.

Estes procedimentos nos são apresentados  como sinônimos de progresso, como  a única alternativa viável para a produtividade e eficiência indispensável à sobrevivência da humanidade. Mas eles outra coisa não são que disfarçados instrumentos de poder. As antigas formas de escravatura pelo menos eram honestas: o escravagista não negava sua condição de escravagista. Hoje se consegue que o dominado acabe aceitando a ideologia do dominador.

Os procedimentos que concentram poder são justamente as tecnologias duras, as que têm tremendo impacto ambiental e social. A grande monocultura e a megatecnologia concentrada, em todos os campos e níveis de complexidade, além de solapar as bases da vida, desestruturam a sociedade, massificam, marginalizam e alienam o homem, esvaziam o campo e hipertrofiam a cidade.

Se quisermos, em tempo, abandonar a corrida em direção ao precipício e devolver futuro a nossos filhos, não mais basta o simples levantamento e análise dos estragos, com elaboração de paliativos, se não há intenção de frear a força que impele à corrida. Já proliferam os tecnocratas que alardeiam as vantagens da poluição, pois ela geraria novas indústrias de equipamentos de despoluição, num ciclo sem fim. O desastre final apenas seria retardado, mas chegaria pior.

Precisamos repensar agora as bases mesmas de nossa ideologia desenvolvimentista. Precisamos redefinir “progresso”, progresso não somente como aumento constante do fluxo  de materiais e dinheiro, mas progresso como aumento da soma de felicidade humana e manutenção da integridade, harmonia e sustentabilidade do grande Caudal da Vida neste rastro. Daí decorrerão novos e fundamentalmente  diferentes modelos de desenvolvimento.

É indispensável torne a população a participar das grandes e pequenas decisões que afetam o seu próprio destino. Ela não poderá mais ser mantida à margem para, passivamente, submeter-se às decisões do totalitarismo tecnocrático que decide para ela, iniciando, inclusive, sem consulta-la, passos tão graves quanto é o caminho nuclear, um caminho que  afetará todos os que hoje vivem e todas as gerações futuras que neste assunto não tem poder de voto.

Precisamos de abertura democrática real, de participação cidadã, de descentralização administrativa, federalismo de verdade e divisão de poderes de fato, de um máximo de autosuficiência e autogestão. Este é o caminho contrário ao caminho tecnocrático, o caminho da descentralização do capital e do poder de decisão, o caminho das tecnologias brandas e adequadas, ajustadas à escala de uso final, inseridas no contexto local, físico, biológico, social e cultural. Estas são as tecnologias que se apóiam nas fontes inesgotáveis da energia solar em todas as suas formas. Este é o caminho que permite ao homem voltar a ser dono de si mesmo e a preservar a grande maravilha do Mundo Vivo do qual é apenas parte.

*Publicação Ação Democrática Feminina Gaúcha
Rua Lucas de Oliveira, 1250 – POÁ/RS
Outubro de 1978

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