Poda de árvores - Prefeitura

 

Ao Sr. Prefeito Raul Pont:

 

A intenção desta é colaborar com a Prefeitura para que possamos chegar a um manejo inteligente, racional e belo das áreas verdes e das árvores de rua em Porto Alegre, que hoje se encontram em situação calamitosa.

Infelizmente na SMAM temos uma turma de gente que se diz "técnica" nesta questão, mas que vem há anos demonstrando que é ignorante e incapaz no assunto e que, até agora, não demonstra vontade de aprender.

A SMAM sequer reagiu a nossas duas missivas, de 26 de agosto e 03 de setembro respectivamente , das quais lhe enviamos cópia. Protestos e contatos anteriores sempre foram infrutíferos, nada mudou nas ruas, ao contrário, novos e graves desmandos continuam sendo feitos.

A situação das árvores de rua de Porto Alegre e da quase totalidade dos parques e jardins, com exceção daqueles que são mantidos por particulares, é simplesmente escandalosa. Fica difícil explicar a estrangeiros que nos visitam o porque deste estado de coisas.

O aspecto mais gritante é o tratamento de nossas árvores. Desde o tempo de Thompson flores, começo da década de 70, não mais se viu em nossa cidade tamanho vandalismo oficial. Aquele Prefeito herdara uma equipe de visão estreita que acreditava em "poda anual de rejuvenescimento", uma poda tão brutal que os capatazes saíam com varas de bambú de comprimento certo para indicar a altura do corte que, então, não levava em conta a grossura do tronco... Também não tinham noção das técnicas de dendrocirurgia.

Thompson Flores, no entanto, aceitou nosso convite de acompanhar-nos em uma volta pela Cidade, acabou se convencendo do descalabro e mandou imediatamente sustar a prática das mutilações, cujos estragos eram irreversíveis. Houve, então, uma certa recuperação, muitas ruas voltaram a ficar bonitas, como a José Bonifácio, a Ramiro Barcelos, a Alameda Raymundo Correia. Esta recuperação - incompleta - no entanto, foi resultado do desleixo, não de trabalhos bem feitos, carinhosos e inteligentes. A maioria das árvores velhas, mesmo quando para o leigo se apresentam frondosas e belas, estão com seus troncos ocos, parcialmente apodrecidos. Quem quiser se convencer, pergunte a um madeireiro se cortaria os respectivos troncos para fazer tábuas. Cinamomo, Plátano, Tipuana, Ligustro e as demais são madeiras de excelente qualidade. Os próprios plantios novos, em sua quase totalidade, nunca foram e continuam não sendo conduzidos. A Venâncio Aires é um exemplo disto. As árvores novas no canteiro central foram conduzidas não pelos "técnicos" da Prefeitura, mas pelo próprio tráfego, que as vai "podando" lateralmente.

Em todo este tempo, já são quase trinta anos, não foi possível conseguir que a SMAM se conscientizasse a ponto de fazer trabalho presentável, sério, de gabarito internacional.

Quando se observa praças, jardins, parques, árvores de rua na Europa, na América do Norte, no Japão, mesmo não estando presentes os respectivos jardineiros, constata-se a cada metro quadrado os traços de suas mãos carinhosas, atentas, retroativas. Aqui, sente-se logo insensibilidade, desleixo, desinteresse, desconhecimento e, pior, agressão sem sentido, de conseqüências irreparáveis. Demonstram, também, total desconhecimento de como manter fértil o solo para árvores, arbustos, gramados.

Desde os anos cinqüenta desapareceram os bons jardineiros em Porto Alegre, que antes os havia, e muito bons (morreram de velhos, não houve renovação). Hoje só temos macheteiros, mutiladores, varredores de folha seca, tosadores de grama, gente que trabalha brutalmente, partindo de uma visão reducionista, aplicando "princípios rígidos", conforme afirmou o próprio chefe da SMAM na ZH em resposta a uma carta ao leitor.

Isto se refere também à quase totalidade das demais cidades brasileiras. Aliás, muitas vezes, os trabalhos são feitos por pessoal de limpeza pública. O próprio Jardim Botânico do Rio de Janeiro, de fama internacional no passado, está em situação calamitosa. Em Brasília não se vê as absurdas mutilações de árvores, mas as áreas verdes são conduzidas em esquema esterilizante, com degradação sistemática dos solos. Não existe diálogo intensivo e permanente com a planta, a terra, a microvida, os insetos, as aves e a interação com o público. As decisões são tomadas em gabinetes, longe do lugar onde são aplicadas - o capataz recebe uma ordem, interpreta a sua maneira, executa de forma agressiva, sem interesse, muito menos percepção do que está fazendo.

Grande parte das decisões é tomada em resposta a reclamações de um público igualmente alienado diante da Natureza. Assim aconteceu recentemente no Pão dos Pobres - uma mutilação grotesca, boçal mesmo, de efeito totalmente deseducador para aqueles lindos jovens. Outro estrago imbecil foi o que acabam de fazer na Alameda Raimundo Correia, uma das ruas mais bonitas de Porto Alegre. Longa e chocante enumeração poderíamos fazer. Aliás, estamos filmando tudo, para fazer um documentário educativo.

Para entender, não desculpar, os "técnicos" da SMAM convém dizer que hoje, no Brasil, nas escolas de agronomia, na engenharia florestal e na biologia não é ensinada a prática da dendrocirurgia (tree surgery). O que não se pode tolerar, no entanto, é a falta de curiosidade, de diálogo intensivo, carinhoso, persistente com os seres vivos a seus cuidados. Como justificam seus salários?

É verdade, também, que temos a complicação da CEEE e até da NET, que, arbitrariamente, cometem seus próprios vandalismos. Mas, se isto é assim, é porque os "responsáveis" na SMAM permitem. Se soubessem fazer trabalho decente, poderiam eles estar fazendo ou ensinando a fazer.

Senhor Prefeito, gostaríamos que nos acompanhasse numa pequena volta pela cidade para que possamos explicar-lhe melhor o que está acontecendo. Estamos seguros que entenderá e tomará as necessárias medidas.

Queremos uma cidade linda que, com orgulho, podemos mostrar uns aos outros e aos forasteiros. Oferecemos nossa colaboração.

 

Saudações,

FUNDAÇÃO GAIA
22 - 10 - 1998

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