Cancro Cítrico

Exmo. Senhor Francisco Turra
M.d. Ministro da Agricultura

Porto Alegre, 18 de Março de 1999

Ref: Cancro Cítrico.

Prezado Sr. Turra,

Devido à importância crescente da citricultura no Estado e no País e diante da ameaça de novas agressões, queremos apresentar considerações muito importantes e com bases comprovadas cientificamente.

Não podemos aceitar qualquer tipo de ato de vandalismo, como foi o caso da destruição de pomares e mudas feito nos moldes da "campanha nacional de erradicação do cancro cítrico" CANECC, que contribuíram para o quase extermínio não da doença, mas sim da própria citricultura do Paraná na década de 1970. Se a citricultura paranaense pôde recuperar-se, isto se deve à luta contra a campanha que, na década de 1980, reiniciara seu vandalismo, desta vez contra a citicultura gaúcha, especialmente contra seus excelentes viveiros.

O cancro cítrico tornou-se conhecido no Brasil no início deste século, com a introdução do uso da adubação química pesada, principalmente nitrogenada, além dos agrotóxicos, da agressão mecânica exagerada ao solo e da degradação ambiental, o que desequilibrou seriamente a fisiologia das árvores.

Temos provas científicas dentro dos meios acadêmicos de diversos países de que doenças, ataques de insetos e até viroses são causadas não só pela presença de bactérias, fungos, insetos e vírus na planta, mas sim pelo desequilíbrio fisiológico causado pelo manejo incorreto do solo e do meio ambiente onde a planta está inserida, o que a torna suscetível (Francis Chaboussou - Plantas Doentes Pelo Uso de Agrotóxicos, A Teoria da Trofobiose Ed. LPM, 1987). É importante ressaltar que, apesar de ser ignorado e combatido pelos interesses da indústria agro-química, esse pesquisador é considerado como fonte bibliográfica de um dos mentores intelectuais da agricultura química, Eurípedes Malavolta, em seu livro Manual de Química Agrícola - Adubos e Adubação (Ed. CERES, 1981).

Dessa maneira, está comprovado o depoimento de Cícero Massari, gerente técnico da própria Fundecitrus que, em 1998, concordou que não é possível erradicar o cancro cítrico porque:

  1. Bactérias tem bilhões de anos e resistiram a todos os cataclismas ocorridos na terra.
  2. A bactéria específica do cancro cítrico tem como hospedeiros outras espécies de plantas, incluindo gramíneas e mesmo as crucíferas onipresentes em toda a agricultura.
  3. São dispersadas por vento, chuvas, insetos e outros vetores, viajando inclusive pela estratosfera.

Para fazer uma analogia simples, a erradicação do cancro cítrico através da destruição de plantas afetadas e mesmo passíveis de serem afetadas seria o mesmo que matar todos os seres humanos com tuberculose e seus vizinhos. A tuberculose também é causada por uma bactéria, que está presente no ambiente e que só ataca pessoas com o sistema imunológico enfraquecido. Para sublinhar o absurdo das táticas da CANECC, basta mencionar que, inicialmente, quando em uma propriedade pretendiam ter encontrado um único sintoma em uma única folha, em uma única planta, passavam logo a destruir todas as plantas cítricas não só nesta propriedade, mas em todo o município, como se bactérias respeitassem limites geográficos! À medida que aumentavam os protestos, diminuía, então, o raio de ação: 1000 metros, 500 metros, 50 metros. Inúmeros agricultores, especialmente os pequenos, perderam a propriedade e foram marginalizados. Em toda a sua trajetória, o CANECC só teve atividade funesta, nada de bom trouxe à citricultura.

Se o postulado básico que fundamentou a campanha de erradicação fosse verdadeiro, então quando ela foi interrompida na década de 80 no Rio Grande do Sul, graças à reação de alguns poucos citricultores e agrônomos abnegados, a citricultura gaúcha teria sucumbido. Mas, ao contrário , ela está hoje mais pujante e desenvolvida.

Podemos demonstrar como plantas gravemente afetadas se recuperam apenas com manejo orgânico.

Para fortalecer essa convicção, temos conhecimento de trabalhos de sucesso com manejo ecológico, como os realizados pela Cooperativa Coolmeia, Fundação Gaia, Centro Ecológico e muitos outros, que atestam que plantas equilibradas fisiológicamente e com o meio ambiente adequado, convivem com todo tipo de microorganismos e insetos, produzindo alimentos sadios com alta qualidade e produtividade e que são valorizados em todo o mundo.

Portanto, viemos, por meio desta, solicitar a esse Ministério que providencie, sim, em caráter de urgência, o fim da CANECC, economizando recursos públicos, tão escassos nesta atual conjuntura, e que poderiam ser muito melhor utilizados na pesquisa e fomento de métodos orgânicos, regenerativos e verdadeiramente sustentáveis de agricultura e com justiça social.

Soubemos que houve interesses escusos na base da campanha. Qual será a atual situação...?

Nos colocamos à disposição para ajudá-los nessa empreitada.

Mui amistosamente,

José A. Lutzenberger
(Fundação Gaia)

Lilian Dreyer/ Jacques Saldanha
(COOLMEIA)

Laércio Meirelles
(Centro Ecológico)

Sebastião Pinheiro
(Eng. Agrônomo)

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