No dia em que se completam 12 anos de partida de Lutz, a Fundação Gaia partilha com seus amigos e colaboradores pensamentos do ecologista, encontrados nos vários livros e textos escritos por ele ao longo de décadas. Alguns destes encontram-se na íntegra no link http://www.fgaia.org.br/texts/index.html.

 

Visões de José Antônio Lutzenberger

 

Ambientalistas e Ecologia

Sempre nos acusaram (aos ambientalistas) e continuarão nos acusando de radicais, de líricos, quando não de apocalípticos. Apenas somos realistas. A realidade é grave.

Preâmbulo da 4° edição do livro “Manifesto Ecológico Brasileiro – Fim do Futuro?”, 1986.

O ecólogo é muitas vezes criticado por considerar-se que ele é contra um mundo tecnológico. A ecologia, entretanto, apenas abre os olhos para a diferença existente entre tecnologia predatória e, portanto, insustentável à longo prazo, e tecnologia branda, que não transfere custos às gerações futuras.

“Desconcentração econômica”, 1975-76. Do livro “Manifesto ecológico brasileiro – Fim do Futuro?”, 4° ed., 1986.

De que adianta ensinar aos jovens o amor à natureza se, daqui a algumas décadas, quando a eles couber o poder de decisão, não mais existir natureza para salvar. Para que ainda tenha sentido a educação da juventude, devemos fixar já os novos caminhos, devemos começar logo a reparar o que pode ser reparado, devemos evitar a continuação e o incremento dos estragos e devemos iniciar hoje os processos que só frutificarão a longo prazo.

“Reconquista do futuro”, 1975-76. Do livro “Manifesto ecológico brasileiro – Fim do Futuro?”, 4° ed., 1986.

Gaia

Só uma visão sistêmica, unitária, sinfônica poderá nos aproximar de uma compreensão do que é nosso maravilhoso Planeta Vivo.

“Gaia” – 1986. Versão revisada e ampliada em 1994.

 

A Biosfera, o conjunto dos sistemas vivos, está íntima e inseparavelmente integrada na Litosfera e na Atmosfera. O todo constitui uma unidade funcional, um organismo à parte, um sistema dinâmico integrado, equilibrado, auto-regulado.

“Gaia” – 1986. Versão revisada e ampliada em 1994.

 

Em GAIA não há passageiros, tudo é e todos somos GAIA. Usando outra imagem, não teria sentido dizer que meu coração ou meu cérebro são passageiros meus.

“Gaia” – 1986. Versão revisada e ampliada em 1994.

 

No organismo de GAIA nós humanos, individualmente, somos como células de um de seus tecidos. Um tecido que hoje se apresenta canceroso, mas que, oxalá, ainda tem cura. Já somos os olhos de GAIA. Através dos olhos dos astronautas e das imagens de satélite, GAIA pode, pela primeira vez, ver a si própria em toda sua singela beleza.

“Gaia” – 1986. Versão revisada e ampliada em 1994.

Solos e agricultura

O alvo daquilo que hoje fazem as transnacionais na manipulação genética de cultivares agrícolas não tem nada que ver com promoção da ciência, é apenas um passo a mais na estruturação de infraestruturas tecno-ditatoriais globais.

Cultivares transgênicos na agricultura – 1997.

 

É tempo de acabar com a mentira de que apenas a agricultura promovida pela tecnocracia pode salvar a humanidade da inanição. O oposto é verdadeiro.

“O absurdo a agricultura moderna” – 1998.

 

No terreno desnudado ou na floresta degradada pelo fogo, as enxurradas destroem em minutos ou horas o que a Natureza levou milhares de anos para fazer. Uma polegada de solo fértil pode levar até quinhentos anos para formar-se. (...) Todo solo perdido significa uma diminuição na capacidade da Terra de produzir alimentos.

“Inundações, suas causas e conseqüências”, 1975. Do livro “Ecologia – do Jardim ao poder”, 1985.

 

Somente a agricultura ecológica é indefinidamente sustentável. Ela contribui para um futuro melhor para nossos filhos, porque melhora constantemente a fertilidade do solo, enquanto que os atuais métodos são uma nota promissória contra nossos filhos. Uma nota que eles não terão condições de resgatar.

“Agricultura ecológica”, 1982. Do livro “Ecologia - do jardim ao poder”, 1985.

 

 

 

Resíduos

 

Devemos aprender a produzir menos lixo e a não misturar o que, separado, teria um valor. Lixo não é outra coisa senão material bom no lugar errado.

“A problemática do lixo urbano”, 1985. Do livro “Ecologia - do jardim ao poder”, 1985.

 

Uma sociedade que fosse racional em termos de uso justo de recursos finitos não produziria o tipo de lixo que produzimos hoje.

“A problemática do lixo urbano”, 1985. Do livro “Ecologia - do jardim ao poder”, 1985.

 

Precisamos todos aprender a produzir menos lixo, rejeitando os apelos publicitários que nos querem impor sempre mais produtos e embalagens desnecessárias. Devemos também aprender a não misturar cegamente o que, separado, manteria um valor, como papel e restos de comida, por exemplo, ou entulho dentro de um lixo orgânico que facilmente poderia ser compostado, se não contivesse entulho.

“A problemática do lixo urbano”, 1985. Do livro “Ecologia - do jardim ao poder”, 1985.

 

Custos e valores

 

O caminho suave apresenta a vantagem fundamental de não ser destruidor de culturas. As tecnologias brandas, justamente por sua adequação à escala de uso final, podem inserir-se em qualquer cultura, adaptando-se aos valores e alvos destas, enquanto a mega tecnologia sempre agride a cultura tradicional, impõe troca de valores, desmantela estruturas sociais estáveis e desenraiza o indivíduo. Ela cria o homem das massas amorfas, sem tradição, sem cultura, sem valores, quase sem estrutura social. É por isso que aumenta a criminalidade e a família se desintegra.

“Alternativa fatal”, 1989. Do livro “Gaia – o planeta vivo (por um caminho suave)”, 1990.

 

Talvez o mais potente fator de alienação do homem moderno, e especialmente da juventude moderna, seja justamente o aspecto da não transparência das modernas infra-estruturas tecnológicas.

“Alternativa fatal”, 1989. Do livro “Gaia – o planeta vivo (por um caminho suave)”, 1990.

 

A tecnocracia, ávida apenas de sempre maior concentração de poder, com seu pensamento tecnomórfico, põe preço em tudo, mas não conhece o valor de nada. Ela pressupõe que tudo é comprável ou substituível, com a única exceção, talvez, do Homem, quando não o consegue substituir pela máquina. Ela não está preocupada em produzir coisas boas, belas, duráveis, ela só quer produtos descartáveis. Para quem tudo é descartável, nada é precioso.

“Sinfonia ameaçada”, 1975-76. Do livro “Gaia – o planeta vivo (por um caminho suave)”, 1990.

 

 

Quem construía catedrais góticas, raciocinava em termos de eternidade, quem produz objetos descartáveis não pensa nem no amanhã. Nossa cultura quer a mudança contínua. Ela endeusa algo chamado “progresso”, que, no fundo, só significa mudança, alteração continua das coisas. Queremos mudança e nos desinteressamos em prever como esta mudança afetará nosso estilo de vida, nosso relacionamento humano, nossos valores. Aliás, a sabedoria convencional atual prevê, justamente, adaptação de nossos valores, estilo de vida e relacionamento humano ao “progresso” e não vice-versa.

“Tecnocracia – o novo feudalismo”, 1979.

 

A atual medida de progresso, o PIB (Produto Interno Bruto), em termos de real progresso, não mede absolutamente nada. O PIB só mede fluxo de dinheiro, sem nada dizer sobre o que este fluxo causa de bom ou de mau. Nada nos diz sobre a real e concreta riqueza nacional. E absolutamente nada nos diz sobre justiça social.

“Temos ou não Futuro” para o “Livro da Profecia Brasil XXI e Mais” – novembro de 1996.

 

Energia

 

Ao contrário do que vem acontecendo, a energia deveria ser considerada algo precioso, a ser usado com muito critério, nunca esbanjado. Talvez um dos maiores desastres para a humanidade tenha sido o carvão e o petróleo baratos. Aliás, estas formas de armazenamento energético só foram e continuam baratas porque não lhes damos valor intrínseco. Só levamos em conta o custo de extração, nunca o limitado de sua ocorrência e sua não renovabilidade, nem as necessidades das gerações futuras. Gostaria de sublinhar a sabedoria da frase de Herman Daly, jovem economista americano, revolucionário do pensamento econômico: “A energia barata deu vantagem à força bruta e afastou do mercado as tecnologias realmente inteligentes”.

“Alternativa fatal”, 1989. Do livro “Gaia – o planeta vivo (por um caminho suave)”, 1990.

 

Não faz sentido o edifício sem janelas, ou janelas insuficientes, que usa iluminação elétrica dia e noite e então usa ainda mais energia elétrica para, com pesados equipamentos de ar condicionado, controlar o calor gerado pela iluminação. E quanto aparelho desnecessário anda por aí! Muito significativa foi a interjeição de Kruchov numa feira industrial americana em Moscou, enquanto Nixon demonstrava, orgulhoso, um espremedor mecânico de limão: “Nós aqui ainda nascemos com cinco dedos nas mãos”.

“Alternativa fatal”, 1989. Do livro “Gaia – o planeta vivo (por um caminho suave)”, 1990.

 

Atuação como ambientalista

 

Várias vezes ouvi, de gente que se diz ambientalista, que a função do ambientalista é apenas atacar, não trazer soluções. Está não é e nunca foi minha disposição. Não sou daqueles que vivem dos problemas, sempre procurei viver da solução dos problemas. A denúncia é importante, mais importante, porém, é a solução! Tenho orgulho de ter contribuído a muitas soluções, mesmo que, às vezes, apenas parciais.

“Meu posicionamento pessoal no movimento ecológico”, 1992.

 

Tenho orgulho dos trabalhos práticos que consegui realizar até agora. Tenho orgulho muito especial de poder ganhar minha vida com trabalhos nos quais acredito e que constituem contribuições concretas para um mundo melhor, mesmo que, dentro do grande contexto, os mesmos se constituam em pequenos passos apenas.

“Meu posicionamento pessoal no movimento ecológico”, 1992.

 

Caminhos a trilhar

 

Precisamos de profissionais com amplo horizonte em ciências naturais, em tecnologia, com motivação ética, que saibam pensar coerentemente e expressar-se de maneira sucinta, elegante e clara.

Extraído de entrevista para a “Revista Expressão” – outubro de 1995.

 

Se nós destruirmos os sistemas de suporte de vida, nossa vida também desaparecerá, é apenas uma questão de tempo.

Palestra proferida no “IV Forum Internacional de Administração de Miami”– outubro de 1995.

 

O futuro não está na mega tecnologia, está na tecnologia intermediária; não está no consumo desenfreado, está no uso frugal, com sentido, dos escassos recursos do Planeta; está na descentralização das decisões e da produção, na auto-suficiência sempre que possível, na diversidade de estilos de vida e de culturas.

“Desconcentração econômica”, 1975-76. Do livro “Manifesto ecológico brasileiro – Fim do Futuro?”, 4° ed., 1986.

 

Muito em breve, no mundo industrial, estaremos todos submetendo a profundo reexame nossos valores, nossas atitudes, nossas estruturas sociais, nossos tabus e nossas instituições. Estaremos à procura de modelos de sociedades não agressivas e não competitivas. Muita coisa podemos e devemos aprender dos inúmeros modelos praticados pelas sociedades primitivas, e isso não somente aqui na América do Sul.

“Barbarismo consciente”, 1975-76. Do livro “Manifesto ecológico brasileiro – Fim do Futuro?”, 4° ed., 1986.

Uma sugestão que me parece muito importante: que politólogos e sociólogos de visão se aprofundem no estudo da ecologia e examinem detidamente o funcionamento dos sistemas naturais intactos, enquanto os houver. Suspeito que acabarão por descobrir modelos extremamente relevantes para a condição humana. Ali não existem estruturas de poder central, hegemonias, dominação. O que existe é constelação de equilíbrios. Progresso, ali, é esmero de equilíbrio.

“A tragédia do poder”, 1977. Do livro “Ecologia - do jardim ao poder”, 1985.

Fotos: Cláudia Dreier. Edição de fotos e textos: Cláudia Dreier comunicacao@fgaia.org.br

 

 
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