DIRETORIA TÉCNICA

DEPARTAMENTO DE CONTROLE

DIVISÃO AGROSSILVIPASTORIL

SERVIÇO DE LICENCIAMENTO E CONTROLE DE AGROTÓXICOS

 

 

 

PARECER TÉCNICO SOBRE O PROJETO DE LEI Nº 154/2014

 

O projeto de Lei 154/2014 (muito semelhante ao PL 311/2013) apresentado pelo deputado Marlon Santos contraria os critérios de licenciamento ambiental utilizados pela FEPAM desde 2003, para proteção do ambiente e das pessoas residentes no entorno dos depósitos de agrotóxicos.

 

O projeto de Lei, no Art. 2º, determina que os depósitos de agrotóxicos “poderão instalar-se e/ou operar independentemente da distância de residências”, ou seja, poderão operar junto de residências, contrariando os critérios técnicos da FEPAM, os quais exigem distanciamentos mínimos entre depósitos de agrotóxicos e residências.

 

O projeto de Lei nº 154/2014 atenderia algumas poucas empresas que estão localizadas junto a residências. Cabe ressaltar que a grande maioria das empresas está localizada de acordo com os critérios de licenciamento estabelecidos desde 2003, sendo que muitas mudaram de local para atender as distâncias mínimas de residências.

 

O projeto 154, em seu Art. 3º, revoga as disposições em contrário ou que “acarretem limitações ao direito de propriedade” e em sua justificativa alega que os atos da FEPAM limitam o direito dos proprietários.

 

Tal argumento ignora o direito dos proprietários vizinhos de não serem contaminados com as substâncias voláteis dos agrotóxicos, motivo de várias reclamações a esta Fundação.

O próprio poder judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, quando questionado sobre o critério da Fepam em relação à distância, posicionou-se pela legalidade da exigência, tendo o magistrado declarado que “deve-se tomar a máxima cautela em matéria ambiental para resguardar o interesse de toda a coletividade”, grifo nosso.

 

Na justificativa para o projeto de Lei 154/2014, é argumentado que o critério de distância mínima de 30 metros de residência causará grande impacto em pequenas revendas, causando eliminação de concorrência,  desemprego e concentração do mercado nas mãos de grandes revendedores.

 

Tal afirmativa não procede, pois 95% das licenças emitidas pela FEPAM, para depósitos de agrotóxicos, são para pequenos depósitos, sendo que 77% são para depósitos de porte mínimo (menores de 100m²).

 

Conforme dados fornecidos pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - SEAPA, no estado de Mato Grosso, 1º em consumo de agrotóxicos do país, o número de revendas é 70% menor do que no Rio Grande do Sul, que é o 5º estado em consumo.

Portanto, a Fepam não está causando prejuízo à concorrência dos pequenos revendedores de agrotóxicos no Estado.

 

Compete à Fundação Estadual de Proteção Ambiental - FEPAM, determinar critérios para o licenciamento ambiental visando a proteção ambiental, no estado do rio Grande do Sul. Esta Instituição possui em seu quadro, profissionais capacitados e habilitados para a definição de critérios de licenciamento, e esses são aplicados em todas as atividades licenciadas, sem que haja necessidade de legislação específica para cada caso.

 

A FEPAM está amparada por Legislação Federal e Estadual, as quais determinam as atribuições dos órgãos estaduais de proteção ambiental, responsáveis pelo licenciamento de todas as atividades potencialmente poluidoras, como pode ser constatado abaixo:

- a Lei 9.077/90, art. 2, inciso II estabelece a competência à FEPAM de prevenir, combater e controlar a poluição em todas as suas formas.

 

- a Resolução do CONAMA n° 237/97, em seu art. 1°, inc. II, conceitua Licença Ambiental como “ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental” (resolução CONAMA 237/97).

 

- a Lei Estadual Nº 10.330, de 27 de dezembro de 1994, art. 1º, com fundamento no artigo 252 da constituição do Estado, estabelece o Sistema Estadual de Proteção Ambiental (SISEPRA) que terá como atribuições o planejamento, implementação, execução e controle da Política Ambiental do Estado, o monitoramento e a fiscalização do meio ambiente, visando preservar o seu equilíbrio e os atributos essenciais à sadia qualidade de vida, bem como promover o desenvolviemnto sustentável.

 

- o art. 9º desta mesma Lei estabelece aos órgãos executivos do meio ambiente, bem como às entidades a eles vinculadas, conforme as atribuições legais pertinentes, as competências para:

I - elaborar e executar estudos e projetos para subsidiar a proposta da Política Estadual de Proteção ao Meio Ambiente, bem como para subsidiar a formulação das normas, padrões, parâmetros e critérios a serem baixados pelo CONSEMA;

II - normatizar, em suas áreas de atuação específica, detalhadamente, as atividades ou empreendimentos que causem ou possam causar degradação ambiental;

III - adotar medidas, nas diferentes áreas de ação pública e junto ao setor privado, para manter e promover o equilíbrio ecológico e a melhoria da qualidade ambiental, prevenindo a degradação em todas as suas formas, impedindo ou mitigando impactos ambientais negativos e recuperando o meio ambiente degradado.

 

- o Código Estadual do Meio Ambiente, art. 143, parágrafo 1o, estabelece: “O poder Público, Municipal ou Estadual, através dos órgãos competentes, e conforme regulamento, elaborará planos e estabelecerá normas, critérios, parâmetros e padrões de utilização adequada do solo, cuja inobservância, caso caracterize degradação ambiental, sujeitando os infratores às penalidades previstas nesta Lei e seu regulamento, bem como a exigência de adoção de todas as medidas práticas necessárias à recuperação da área degradada”, e ainda no parágrafo 2o deste mesmo artigo: “A utilização do solo compreenderá seu manejo, cultivo, parcelamento e ocupação.

 

Riscos dos agrotóxicos à saúde humana e ao ambiente:   

 

Os agrotóxicos são produtos tóxicos, e o seu armazenamento em áreas residenciais coloca a população do entorno em risco de contaminação pelas substâncias voláteis emitidas, pela fumaça tóxica em caso de incêndio, e por derramamento em caso de acidentes no transporte de grandes cargas que chegam a essas revendas. A Lei Estadual nº 7.877, de 28/12/1983, determina no seu art. 8º que todo o veículo transportando cargas perigosas somente poderá parar ou estacionar em áreas afastadas de aglomerações de pessoas, edificações, instalações ou outros veículos.

 

Os agrotóxicos podem ser absorvidos através das vias dérmica, gastrointestinal e respiratória e podem gerar quadros de intoxicação aguda, subaguda e crônica.

 

Muitos produtos (organofosforados) são inibidores de enzimas colinesterases, responsáveis pela transmissão de impulsos nervosos, alterando o sistema nervoso central e outros órgãos. Em intoxicações agudas podem ocorrer óbitos em poucas horas ou dias. Os principais sintomas são: suor abundante, salivação intensa, lacrimejamento, fraqueza, tontura, dores e cólicas abdominais, visão turva e embaçada, pupilas contraídas, vômitos, dificuldade respiratória, colapso, tremores musculares, convulsões. Em intoxicações crônicas podem ocorrer alterações neurológicas, comportamentais, cognitivas e neuromusculares.

 

Outros produtos (piretróides) são estimulantes do sistema nervoso central e podem produzir lesões no sistema nervoso periférico. Os sintomas de intoxicação aguda incluem irritação das conjuntivas e mucosas, manchas na pele, edema nas conjuntivas e nas pálpebras e convulsões, os quais ocorrem principalmente quando a absorção se dá por via respiratória.

 

Os produtos herbicidas, largamente utilizados, estão associados a mutações gênicas, mal formação do feto (teratogênese) e câncer. Alguns provocam lesões hepáticas, renais e fibrose pulmonar, podendo levar à morte por insuficiência respiratória. Os efeitos crônicos incluem neuropatia periférica, disfunção hepática e maior risco de desenvolvimento de linfomas tipo Hodgkin e não-Hodgkin.

 

Vários problemas à saúde acima referidos ocorrem devido à inalação de gases tóxicos (absorção via respiratória). O cheiro percebido fora do depósito, nas residências do entorno, indica a presença de substâncias voláteis tóxicas nesses ambientes. Para os trabalhadores dos depósitos, é exigido o uso de equipamentos de segurança (EPIs), que incluem máscaras para vapores orgânicos. As pessoas que moram ao lado de depósitos, inclusive crianças, respiram esses vapores dia e noite e as conseqüências podem levar vários anos para serem percebidas.

 

Na intoxicação crônica, o surgimento dos sintomas é tardio, podendo levar meses ou anos, e caracterizam-se por pequenas ou moderadas exposições a um ou a múltiplos produtos, acarretando danos irreversíveis como paralisias e câncer. A exposição aos agrotóxicos pode ser considerada como uma das condições potencialmente associadas ao desenvolvimento do câncer, por sua possível atuação como iniciadores – substâncias capazes de alterar o DNA de uma célula, originando o tumor – e/ou como promotores tumorais – substâncias que estimulam a célula alterada a se dividir de forma desorganizada. 

 

Em vistorias realizadas pelos técnicos da FEPAM, várias foram as reclamações recebidas de vizinhos de depósitos de agrotóxicos, quanto ao cheiro percebido em suas residências e a transtornos respiratórios, como crises de bronquite e asma, ocasionados principalmente em crianças. Os depósitos em questão foram relocalizados para atender o distanciamento mínimo de residências.

 

Esta distância é necessária, pois se trata de produtos tóxicos, dos quais muitos são classificados pela ANVISA como Extremamente Tóxicos ao ser humano – Classe toxicológica I, os quais emitem substâncias voláteis colocando em risco a saúde das pessoas que estão nas imediações.

 

Outros fatores que justificam essa exigência mínima de 30 metros são: a possibilidade de incêndio e a conseqüente emissão de fumaça tóxica nos arredores; e o risco de acidentes com os caminhões que entram na área central dos municípios para abastecimento de depósitos na zona urbana das cidades, pois o transporte é feito em caminhões com carga muito grande de produtos.

 

A revenda pode continuar na área central, sem necessidade de distância mínima, sendo que somente o depósito necessita atender este critério.

 

Pelas razões acima expostas, a FEPAM, com base nos critérios técnicos adotados, é de parecer contrário ao Projeto de Lei nº 154/2014, em detrimento da saúde da população do entorno.

 

Necessitamos de Leis que garantam o avanço na questão de proteção ambiental e de saúde pública e não que impliquem no retrocesso do que já está conquistado e estabelecido.

 

 

            Atenciosamente,

 

            Em 16/07/2014

 

                                                                                       

           Biól. Dra. Marta Elisabeth Valim Labres

           Chefe do Serviço de Licenciamento e Controle de Agrotóxicos